para "Sugar Baby e Hashtag Eu", de Toni Marques
por Patrícia Galelli
“Uma geração que não nasce parida, mas posada” num país de abandonados. Em Sugar Baby e Hashtag Eu, Toni Marques apresenta um mural expandido, veloz e satírico de nossos avatares. Fragmentos insólitos no emaranhado da vida que imita os aplicativos – isto foi spoiler. Internet, política, religião, prostituição, educação, família, favela: estamos nas afirmações com cara de pergunta, nas perguntas com cara de afirmações.
As configurações de linguagem prosaica foram atualizadas. Toni explode os estereótipos e expõe as ironias que desnudam a miséria de nosso tempo sem pregação de pastor frila. Ele dá print. A voracidade de sua escrita dá Ctrl Z no Photoshop falado, tira os filtros dos discursos, escancara os bots. Desfaz e não salva, não importa quem dá match com quem.
Mais do que dizer o inassimilável de nosso tempo, é como se Toni exercitasse o esgotamento do agora em crônicas de algoritmo que revelam a alma encantadora dos apps. Um estudante de marketing digital, uma garota de programa e o filtro cool da Miss Direita para a monetização da raiva, o paradoxo da delação manuscrita de um prefeito que chora: a sobrevivência numa época que escorre por entre os dedos, enquanto é lançada ao vazio pelo polegar – “o dedo dançarino de Deus”. A época em que o sujeito deixa de ser visto como objeto não porque foi humanizado, mas por ter virado infoproduto.
Um protagonista invisível, uma personagem descartável: Sugar Baby & Hashtag Eu é como um calço onde firmar o olho-retrovisor que retoma o nosso salto inaugural no precipício, o buraco de algoritmos no qual continuamos a cair sem sinal de chão para parar a nossa queda. Estamos todos marcados no textão que corre a timeline deste romance irreverente, porque fomos stalkeados. “A vida toda era do tamanho de um aplicativo” e Toni Marques resolveu mostrar. Eis uma educação não pela pedra, mas pelo Tinder: não cabe na gente “encarnar a esperança”.
"Sugar Baby e Hashtag Eu"
Toni Marques
1ª ed. Editora Lacre
2020